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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

O Doce Remorso

Sementes que não plantei,
tenho-as na alma, germinadas...
Vim pela Vida e nem sei
como as guardo tão zeladas.

Oh, os encantos que deixei
por vales e encruzilhadas!
Bendito o chão, onde dei
minhas primeiras passadas!

Bendita a enxada que eu vi
fecundando a virgindade
das terras em que nasci!

Deus abençoe a minha herdade...
e perpetue, na saudade,
os tesouros que perdi!

domingo, 25 de fevereiro de 2007

No 7º Centenário da Morte de S. Francisco de Assis

Se voltasse o Semeador de Bondade,
aquele que sorriu para a miséria
e perdoou os grandes;
e foi manso como Deus
e harmonioso como as aves que abrigou no seio;
com que humildade eu não dulcificaria
os meus lábios amargos de ironia
na poeira de seus pés!

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Olhando a Vida

Pelos sonhos e ideais que vão morrendo
para a eclosão dos males que evitamos,
e nos altares de luz que alevantamos
na poeira que os ciclones vão varrendo...

Pela razão, que a dúvida, vencendo,
transmuda na descrença que amargamos...
Pelo pranto de fogo que choramos
e o desconforto dos que estão gemendo...

Pela miséria e pelo eterno grito
que leva a angústia humana resumida
à couraça inviolável do infinito:

eu não compreendo o espírito eviterno
que o círculo restrito desta vida
mudou nos sete círculos do inferno!

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Meu Sertão

Meu sertão, meu país de lendas encantadas,
padecendo e cantando a tua ironia obscura:
heróico e sem valor, feliz e sem ventura...
Meu sertão, meu país de trovas magoadas!

Ó pioneiros da sombra! Ó raça austera e dura;
que o amor amolece, e as noites enluaradas...
Distâncias a sorrir no alvor das madrugadas,
- meu Sertão, meu país de lenda e de ternura!

Transviei-me de ti, no erro de gerações
que bambearam em prol de estranhas ambições...
mas, sou teu e resumo a tua imensa dor:

ouço-te em mim, em mim te sinto, e tua alma vária,
vive em mim, na saudade, a tua alma solitária,
encharcada de luar e trêmula de amor!

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Prefácio de O Homem Inquieto

Eu sou a vossa dor que não se descobriu.
Eu sou o fervente silêncio
das vossas mágoas, que estão
atrás da vossa alma
espreitando as ruínas da Vida.
Eu sou a vossa Fé,
que há de romper nua e gloriosa,
do fogaréu do vosso coração,
para levar-vos à conquista de vós mesmos.
Eu sou a hesitação que há de cessar,
a indiferença, que há de morrer,
a covardia que há de passar,
o heroísmo que há de florescer.
Eu sou o Poeta, o que adivinha
na sua própria inquietação
o perdão das suas próprias ironias
e as alegrias da vossa redenção.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Ao Céu

Berço dos astros, catedral do Sonho,
docel de maravilhas sobre a terra,
onde minha alma visionária erra
por amor dos poemas que componho...

Velário etéreo, que meus olhos cerra
(para lemir-me o espírito tristonho,
retemperar-me o espírito bisonho)
o Infinito e o vazio que ele encerra...

Bem hajas, catedral de minha crença!
Minha alma estue, minha alma cante e vença,
no êxtase de azul que a transfigura!

E possa, pela vida em que anda êxul,
beber o cálix negro da Amargura
numa resignação feita de azul!

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Conselhos

Faze da tua inteligência uma trama dourada
e põe dentro dela o coração.
E do teu egoísmo, uma angústia calada.
E da tua alegria,
como que uma eucaristia:
o pão
que outros comam contigo num banquete espiritual
de esperança, de graça, de consolação.
E da tua dor,
o ofertório melhor,
a oblação maior
da tua bondade,
da tua iluminada solidariedade,
da tua vigilante piedade,
e do teu heroísmo e do teu amor:
que a dor só vinga e transfigura
se dói por bem da dor alheia;
se nela choram outras dores inconsoladas:
a dor das mãos inutilmente calejadas;
a dor dos que semeiam em vão;
a dor das bocas murchas pela desventura;
a dor dos corações que rebentaram
nas explosões de um desespero irremediável.
Diviniza a tua imperfeição
na perfeição de uma existência amável.
E sê bendito se errares
e pecares
pelo coração.