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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Prefácio de Deslumbramento de Um Triste

É tão profunda a dor que te atormenta
e é tão grande e é tão nobre o teu ideal,
que sofres, não só o teu, mas todo mal
que os humanos destinos acorrenta,
e o vero amor e a pura piedade
resumes no teu sonho de bondade.
Se ao peito te arrancassem o coração
e após o suspendessem sobre o mundo,
heróico, inesgotável e fecundo,
ficaria jorrando na amplidão,
ficaria sangrando na amplidão,
- toda luz sempiterna,
- todo o sangue imortal,
do teu eterno ideal,
da tua dor eterna!

À Arte

Ó Beleza pungente, ó Arte, sou
o mísero, o vencido que passando
viu teu templo na altura cintilando
e deslumbrado e fascinado o entrou.


O incenso de teus ritos me embriagou,
e as tuas harmonias escutando
senti que a antiga dor se i a mudando
numa dor que o meu coração nunca provou.


Cegou-me a tua luz. O teu encanto
deixou-me na alma um lânguido quebranto,
inútil febre, mudo sofrimento.


Arte augusta: adorando-te eu te abjuro,
pelo ideal impossível que procuro
e a angústia vã do meu deslumbramento...

No Alto...

Tal aquele que um gênio impiedoso
arrastou ao fastígio da montanha,
e lhe inferiu a condição tacanha
da grandeza do abismo luminoso...


e que, fitando o vale, que se banha
no oiro de um sol flamívomo e glorioso,
logo desceu o píncaro alteroso,
transbordando da mágoa funda e estranha:


levou-me o espectro frio da Razão
ao mais alto de um monte; e foi então
que vi quanto era grande o meu ideal


e quanto, (louco e cego fora eu!)
para sentir-lhe a luz, fitar-lhe o céu,
eu tinha de pequeno e mortal!

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Canção Cruel

O crepúsculo dourado
unge os montes. Que saudade
de toda espiritualidade
do meu passado
de lavrador!

Teço a trama da vaidade.
A vida, em torno, é um vão rumor.

Ó lembranças mansas da infância!
Eu tenho a pena na mão
(a lançadeira do meu tecido...)
e os olhos olhando o vago...
E dessa névoa distante
vindes atadas em ronda
dançar a ciranda festiva
à roda do meu silêncio...

Teço a trama da vaidade.
A vida, em torno, é um vão rumor.

***

Tento sair de mim,
romper-me, como um jacto de lava.

Mas quanto podem, ó Vida,
as tuas mãos femininas,
felinas,
os teus passes
de hipnotizadora!

Sou o teu leão manso,
ó domadora!

domingo, 15 de abril de 2007

ternura

Quando, como São Francisco de Assis, desimpeço de um
seixo o caminho de uma formiguinha, sinto que desbloquei um
mundo e o pobre inseto me parece maior, maior do que
a minha imensa ternura.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Fracasso

As minhas palavras borbulharam incandescentes
na minha boca.
O meu sangue ferveu em estos revolucionários.
Mas eu quis esperar.
E estagnei-me numa resignação miserável,
calada e imóvel como a Fatalidade.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Pórtico

Ó Musa,
confusa,
difusa e abstrusa,
esteje presa!

domingo, 25 de março de 2007

Canto Oracular

Eu direi as verdades que todos vós combateis,
com a boca do espírito impoluto.
Do fundo do meu coração fecundo e amordaçado
subirá um clamor guerreiro de ironia e amor
que ouvireis poderosos e zombeteiros,
esperando a hora de alvejar-me
com as vossas pedras cortantes
(a hora em que a minha voz audaciosa e mansa
morrer como um grande soluço do meu orgulho...)

A minha voz morrerá como uma nobre ave selvagem
que o fuzil de um caçador roubasse do idílio da altura.
As vossas pedras zunirão e voarão
contra a boca que cantou
o canto infinito que não queres ouvir!

Mas ai de vós!
Outras bocas gritarão esse heróico clamor guerreiro,
até que as vossas mãos se cansem
de levantar as pedras do chão.

O Poeta

Ele adivinhou o segredo intranscendente
que está no fundo de todos os seres
e de todas as cousas,
e sorriu
e chorou
por todos os homens que jamais sorriram
ou que jamais choraram.

Ele adivinhou o mistério
das ondas hertzianas da emoção
levando por espaços infinitos
as músicas, as vozes, os anseios
de sua alma universal.

Ele transformou
o fogo apocalíptico da ironia
na chaga viva do coração.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Esta hora...

Esta é a hora tumultuosa
do crepúsculo de todos os sóis que o homem acendeu
na forja de sua loucura.
Esta é a hora cinzenta do espírito,
a hora cujos minutos chispam como séculos resumidos.
Esta é a hora em que, desapoderadas de si mesmas,
as inteligências entram, como aves vertiginosas,
os altíssimos abismos proibídos.
Esta é a hora
que vai cansar os pêndulos da Eternidade.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Volte a Inocência...

Volte a inocência.
Sim, que ela venha, meus irmãos,
ainda que tenha
de pisar os corações endurecidos deste mundo.
O amor é a lei única,
inicíssima e soberaníssima
que rege os seres vivos.
E o amor sem inocência,
é a força que só cria para destruir,
- não é a lei dos corpos e dos espíritos,
ou do fruto ou da chama...
A inocência é o dogma
que devemos impor ao homem de amanhã
- o homem que vai nascer de nossas cinzas.

Volte a inocência,
nua e saborosa
como um fruto na bruma matinal.
Volte a inocência,
ainda que a tenhamos de impor
de armas voltadas contra o nosso peito.

E após o cataclismo que há de submergir
as naus vaidosas da civilização,

que a inocência domine sobre o mar deserto,
como a arca simples, que guardou o gérmen
da árvore futura...

da árvore
que vai dar sombra e fruto ao homem novo!

terça-feira, 20 de março de 2007

Perplexidade

Não descreio. Não desespero.
Louvo a Deus que não conheço
e percebo dentro do meu coração ansioso
essa longínqua música
feita de nada e esperança.

domingo, 18 de março de 2007

As Tuas Horas

As tuas horas
enche-as de pensamento e de heroísmo.
Elas escorrem do relógio,
varam o tempo, enormes e vazias,
e tu hesitas...

As tuas horas são ondas silenciosas
que avançam para a Morte.

O teu espírito
encharcou-o a volúpia do indiferentismo.
O teu espírito
voga nas tuas horas
como uma flor inútil
numa torrente preguiçosa...

A Vida estala e canta
na tua fronte, nos teus ouvidos,
e tu desfias, silencioso e indiferente,
o fio longo e inútil
das tuas horas longas e inúteis...

Põe o teu coração adormecido
na torrente
ardente
da Vida:
e as tuas horas serão
os ritmos rápidos e fulgurantes
da tua ressurreição!

sábado, 17 de março de 2007

Ao Silêncio

Silêncio: a tua linguagem
diviniza, enlanguesce
a Paisagem...

Silêncio: elevado e mudo,
meu espírito adormece
nas tuas mãos de veludo...

sexta-feira, 16 de março de 2007

Rajah=Freud

Meu touro Rajah,
mestiço de Gyr e Gugerath,
baio, de couro solto e barbela pregueada,
tem a cabeça igual a do finado Rui Barbosa,
e as orelhas enormes,
caídas como duas folhas de mangueira.

Tem a aparência calma de um filósofo indiano
quando está ruminando.
Mas é passar-lhe pelas ventas
um certo aroma sexual,
adeus, filosofias!

quinta-feira, 15 de março de 2007

Êxtase

Êxtase é a dor profunda da Ventura
e a ventura mirífica da Dor
numa ascensão para a suprema altura
em que da Perfeição luz o esplendor.

Êxtase é a vida no que tem de pura,
a integral compreensão da Luz, da Cor:
por toda a estrada negra da Amargura
todo o luar de sol que é o nosso amor!

Acesso espiritual à Perfeição...
Anseio dolorido dos que vão
seguindo o Sonho, num silêncio triste...

Êxtase: elo de luz encadeando
as almas tristes dos que estão sonhando
ao sonho eterno do que não existe...

terça-feira, 13 de março de 2007

Uma Carta

"Perdoa que só te fale de mim.
Eu me sinto um bocado de todas as cousas lindas.
Eu latejo na dor de toda a Criação.
Eu estou cada vez mais curioso de mim mesmo
sob a lâmpada triste desta inquietação profunda..."

segunda-feira, 12 de março de 2007

Contraditório

Contraditório...
Mas a onda que vem
nem por voltar é menos bela...

domingo, 11 de março de 2007

A Verdade Inútil

Eu disse a verdade. Da minha boca
vi voarem estilhas de luz,
estrelas cegantes que povoaram de maravilhas
os vales quietos e sombrios...

Eu disse a verdade. E minhas palavras
cantaram na desarmonia das cousas envolventes
como um hino imenso e tocante
que envolvesse
e elanguescesse
a dureza e a aspereza de tudo.

Eu disse a verdade. E nao calei.
E o silêncio ficou tão vazio e deserto!

Eu disse a verdade.
E fiquei triste e comovido.

sábado, 10 de março de 2007

As Montanhas

Amo o silêncio das alturas
- as paisagens toucadas de infinito...

(Eu te agradeço, ó minha terra, o seres alta!)

Enleva-me o sorriso baixo das estrelas.

( E eu penso: se pudesse transformar minha alma
numa cordilheira de heroísmos!)

Respiro os ares das montanhas,
adormeço no seio das montanhas,
cheio daquela ternura, daquela ingenuidade
com que, na infância,
respirava o hálito de minha mãe,
repousava a cabeça
no colo de minha mãe.

(E começa a canção
na minha saudade:

"Dorme que a noite lá vem
nas montanhas...")

Senhor, o que vão as montanhas
fazer lá em cima?

E Deus responde: _ "Ouve as torrentes..."

Vivo dias tranqüilos nas montanhas,
e encho-os de uma alegria tão mansa
que penso na vida
como se fosse a vida uma lembrança
que me envergonhasse.

E estou tão identificado
com as montanhas,
que me coroo humildemente
de estrelas...

sexta-feira, 9 de março de 2007

Ante as Igrejas Iluminadas

A Carlos Drummond de Andrade

As Igrejas estão iluminadas
e resplandecem monumentalmente na noite devota.
São como arcas deslumbrantes no dilúvio da noite.
Todos aqueles que temeram o naufrágio,
se abrigaram no convés solene das Igrejas.

As Igrejas iluminadas
riscam de fogo o carvão da noite devota.
A noite é como um oceano que marulhasse silencioso.

Os homens que estão lá dentro pensam em Deus.
Os sacerdotes, paramentados em linho e ouro,
elevam no Cálice de muitos raios o Espírito Supremo.

Os sinos esmigalham
todo o cristal de sua velha alma musical.
Os espíritos prosternados sobem na voz dos órgãos,
no soluço comprido dos violinos,
para Deus, que é todo ouro no Cálice suspenso.
As próprias Igrejas sobem, pesadas e contritas,
na água da noite... como barcas iluminadas.

Ajoelho-me e rezo a minha oração de inquieto.

Ó Igrejas: vim pedir-vos o pão
e a água que procuro, sem que os homens,meus irmãos,
soubessem jamais dessa minha fome e dessa minha sede.
Não encontrei ainda esse pão misericordioso
e essa água redentora. Dai-mos a mim,
Igrejas que prometeis renúncias e paraísos!

Ponho no vosso seio marulhoso e solene,
como um joguete emocional, minha alma incontentada.
Modificai-a, esmagai-a, convertei-a!
Mas que ela fique, no vosso chão, poeira conformada!
Sim: esmagai minha alma para a vossa glória,
esmagai-a de vez, para que não se reerga nunca!

Fazei-a vossa e projetai-a como uma migalha inútil
entre as migalhas que vos erigiram.
Ó Igrejas: eu procuro o que não sei - a paz, a guerra,
talvez a certeza amarga que a Verdade exista.
Ponde o vosso dedo imperativo
sobre a boca cruel da minha inquietação.
Absorvei-me!

Acendei sobre o meu espírito a alvorada
de vossas verdades: mas que sejam tão claras
como o lácteo esplendor de vossos lampadários.
Crivai sobre o meu coração os espinhos de vossos dogmas,
mas que doam e façam sangrar como os espinhos da coroa de Jesus

Vede que não tenho bordão,
nem trago os cabelos em desalinho,
ou os pés mortificados pelas caminhadas.
Porém, sou tão pobre, e só, e andrajoso,
como aquele vosso Jó das supremas provações.

Sou o mendigo que se apoia
nas amuletas da Ironia...

Ó Igrejas:

esmagai-me!

quarta-feira, 7 de março de 2007

Afinidade

Por essas tardes, em que a Paisagem
se esfuma em oiro, e rosa, e se recolhe,
tocada de langor e evocação,
numa volúpia mística da prece...

Por essas tardes, em que minha Terra
absorve Deus nos montes e nas árvores,
e canta, pela boca dos campônios,
a tristeza imortal do seu destino...

Por essas tardes de silêncio e cisma,
ó solidão dos campos e das serras,
ó solidão da minha Paisagem,

é que eu vejo, é que eu sinto, é que eu percebo
que sou o teu mais terno companheiro,
que sou o teu irmão mais deslumbrado!

O Meu Símbolo

Sonho... Que importa a mim que sonhe em vão
e fique esta ânsia enorme incompreendida?
Amo o sonho... E hei de ter, por minha vida,
sobre o caos e o tumulto, o Coração!

segunda-feira, 5 de março de 2007

Cisma

Cisma que cismo, trama espiritual...
Um aranhol tecido a sonho e idéia
onde minha alma - aranha emocional -
extática, esquecida, devaneia.

Cisma, caminho suave do Ideal.
Meu sonho indefinível que se alteia
e fica - como fica a lua cheia -
doirando a minha angústia de mortal!

Cisma é a alma alongada, nessa ânsia
de se sentir extática e saudosa
na poesia infinita da distância...

Cisma - a ventura dos que sofrem sós -
é a música pungente e silenciosa
do que não fui e nem serei na voz!

domingo, 4 de março de 2007

Devaneio da Tarde

Ó tardes tropicais,
crepúsculos que sois dalmáticas de sombras,
crepúsculos que sois cinzas espirituais
numa áurea dispersão sobre serras e alfombras!

As cousas dentro em vós têm espírito e alma
com sonhos a gemer na impotência da fala...
A paisagem, que está numa aparente calma,
toda uma ânsia de voz e de expressão exala...

Tenho até a ilusão de que não fala ou canta
porque uma força aziaga oprime-lhe a garganta!

A Tarde é a áurea nutriz, a teta espiritual
que alimenta talvez o malogrado ideal
da alma esquisita e informe das cousas que não falam...
As suas mãos de luz, as suas mãos embalam
a terra, no mistério interior em que dorme...

* * * * * * * * *

Ó árvore que sois espectros invioláveis,
- urnas em que o sol vaza o seu hino de chama
e responsos de luz o almo luar derrama
para a oculta eclosão de ideais imperscrutáveis!

A Tarde faz de vós as monjas piedosas
na ignota religião das cousas silenciosas!

E, ó árvores cristãs, que velais sobre as lousas,
há dentro em vós um luar de misticismo... Arde,
num êxtase, nossa alma ante as aras da Tarde
- que é o templo onde comunga a tristeza das cousas

E olhando a Natureza, olhando-a, olhando-a assim
como quem nela vê a suprema beleza,
olhando-a da emoção de um êxtase sem fim,
acode-me o desejo absurdo e extraordinário
de ser o orbe, o infinito, o céu – a Natureza,
para poder sentir a Tarde dentro em mim...

Meu panteísmo é um culto e a Tarde é o seu santuário.

Espíritos que estais na angústia de um ideal,
almas que o aguilhão do Amor fez desgraçadas,
o crepúsculo mana o vinho espiritual
de que necessitais, ó almas torturadas!

Envelhecendo a luz (que é bela mas acende
a vossa dor, o vosso anseio), há de quedar,
envelhecida quase, a mágoa que vos prende
ante o beijo de paz que a Tarde lhe vier dar...

Na religiosidade inefável e suave,
no abandono de cisma em que anda a Natureza,
meu pensamento é uma ave
que voou para os céus longínquos da Beleza,
e eu sendo tão pequeno, e vazio, e imperfeito,
transbordo-me da luz de uma febre magnífica
e me exalto na posse extática e beatífica
de uma alma emocional e rútila de eleito!

* * * * * * * * *

Hora feita de arminhos,
unges de um quê de sonho árvores e caminhos...
E o mundo... o mundo é como uma ferida imensa,
uma ferida viva
de ódio, egoísmo e descrença,
que tu cicatrizaste, ó Tarde compassiva!

Dentro da luz da Tarde,
a minha alma se alonga, é um êxtase disperso:
sinto que do meu ser cada partícula arde
e voa – ave de luz – para um outro universo...

E quando – embaixatriz suntuosa do Nirvana –
a Noite reconduz à Dúvida a alma humana
e faz do altar da Tarde uma necrópole, eu
ponho os olhos no céu:
e à saudade imortal que me oprime e domina,
eu vejo no luar, que trêmulo se eleva,
uma hóstia da Tarde, uma palma divina
suspensa sobre a treva...

Ou a alma mesma da Tarde a errar no céu tristonho,
espalhando o consolo e perpetuando o Sonho...

A Água Que Passa e a Árvore Ribeirinha

A Água que passa, saltitante,
escachoante
é o delírio que vem... é o anseio que vai...
Beijo que mal beijou
e se retrai,
e esvai...
Carícia
que acenou
passou...
Um sorriso fugaz à paisagem,
um queixume, talvez, à margem que ficou...

A Árvore é a obstinação de um grande sonho mudo:
abriu os braços, carregados de folhagem,
e vê a Água descer, no seu embate rudo.
E as toalhas vão caindo na Água... E vai a Água
espumando,
fervilhando
pela decida...

.............................................................................................

A Árvore quem será - sonhando sobre a Vida?

sábado, 3 de março de 2007

A Saudade

Saudade é o eco em dor em vozes que morreram
longe, na bruma de oiro e cinza da distância:
perfume que ficou do sonho e se fez ânsia ,
para a glória infeliz dos que nunca esqueceram!

Violino interior, cantando a ária triste
de defuntos ideais, no luar de nossa alma...
Asas espirituais, que a nossa angústia espalma
sobre a ruína e o pó do bem que não existe...

Um nada, em que soluça um resto de ventura...
O sombrio perfil de uma árvore na altura...
A paisagem sonhando, hirta, na solidão...

Alguém, visão de luar que em lágrimas nutrimos,
e vai, no rumo oposto àquele que seguimos,
carregando bem alto o nosso coração!

quinta-feira, 1 de março de 2007

Herói

Herói é aquele que subiu sozinho,
sem um gemido ou uma imprecação,
a montanha da vida - árdua ascensão -
pelo mais ínvio e lôbrego caminho

E nessa longa peregrinação,
- doesse-lhe embora da amargura o espinho -
nunca negou a graça de um carinho
aos que precisam de consolação.

Aquele que revoltas sufocou
pelo ideal que na alma lhe insuflou
a esperança infinita de bondade...

Aquele que os humildes amparou
e redimiu a universal maldade
nas lágrimas de fogo que chorou!

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

O Doce Remorso

Sementes que não plantei,
tenho-as na alma, germinadas...
Vim pela Vida e nem sei
como as guardo tão zeladas.

Oh, os encantos que deixei
por vales e encruzilhadas!
Bendito o chão, onde dei
minhas primeiras passadas!

Bendita a enxada que eu vi
fecundando a virgindade
das terras em que nasci!

Deus abençoe a minha herdade...
e perpetue, na saudade,
os tesouros que perdi!

domingo, 25 de fevereiro de 2007

No 7º Centenário da Morte de S. Francisco de Assis

Se voltasse o Semeador de Bondade,
aquele que sorriu para a miséria
e perdoou os grandes;
e foi manso como Deus
e harmonioso como as aves que abrigou no seio;
com que humildade eu não dulcificaria
os meus lábios amargos de ironia
na poeira de seus pés!

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Olhando a Vida

Pelos sonhos e ideais que vão morrendo
para a eclosão dos males que evitamos,
e nos altares de luz que alevantamos
na poeira que os ciclones vão varrendo...

Pela razão, que a dúvida, vencendo,
transmuda na descrença que amargamos...
Pelo pranto de fogo que choramos
e o desconforto dos que estão gemendo...

Pela miséria e pelo eterno grito
que leva a angústia humana resumida
à couraça inviolável do infinito:

eu não compreendo o espírito eviterno
que o círculo restrito desta vida
mudou nos sete círculos do inferno!

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Meu Sertão

Meu sertão, meu país de lendas encantadas,
padecendo e cantando a tua ironia obscura:
heróico e sem valor, feliz e sem ventura...
Meu sertão, meu país de trovas magoadas!

Ó pioneiros da sombra! Ó raça austera e dura;
que o amor amolece, e as noites enluaradas...
Distâncias a sorrir no alvor das madrugadas,
- meu Sertão, meu país de lenda e de ternura!

Transviei-me de ti, no erro de gerações
que bambearam em prol de estranhas ambições...
mas, sou teu e resumo a tua imensa dor:

ouço-te em mim, em mim te sinto, e tua alma vária,
vive em mim, na saudade, a tua alma solitária,
encharcada de luar e trêmula de amor!

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Prefácio de O Homem Inquieto

Eu sou a vossa dor que não se descobriu.
Eu sou o fervente silêncio
das vossas mágoas, que estão
atrás da vossa alma
espreitando as ruínas da Vida.
Eu sou a vossa Fé,
que há de romper nua e gloriosa,
do fogaréu do vosso coração,
para levar-vos à conquista de vós mesmos.
Eu sou a hesitação que há de cessar,
a indiferença, que há de morrer,
a covardia que há de passar,
o heroísmo que há de florescer.
Eu sou o Poeta, o que adivinha
na sua própria inquietação
o perdão das suas próprias ironias
e as alegrias da vossa redenção.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Ao Céu

Berço dos astros, catedral do Sonho,
docel de maravilhas sobre a terra,
onde minha alma visionária erra
por amor dos poemas que componho...

Velário etéreo, que meus olhos cerra
(para lemir-me o espírito tristonho,
retemperar-me o espírito bisonho)
o Infinito e o vazio que ele encerra...

Bem hajas, catedral de minha crença!
Minha alma estue, minha alma cante e vença,
no êxtase de azul que a transfigura!

E possa, pela vida em que anda êxul,
beber o cálix negro da Amargura
numa resignação feita de azul!

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Conselhos

Faze da tua inteligência uma trama dourada
e põe dentro dela o coração.
E do teu egoísmo, uma angústia calada.
E da tua alegria,
como que uma eucaristia:
o pão
que outros comam contigo num banquete espiritual
de esperança, de graça, de consolação.
E da tua dor,
o ofertório melhor,
a oblação maior
da tua bondade,
da tua iluminada solidariedade,
da tua vigilante piedade,
e do teu heroísmo e do teu amor:
que a dor só vinga e transfigura
se dói por bem da dor alheia;
se nela choram outras dores inconsoladas:
a dor das mãos inutilmente calejadas;
a dor dos que semeiam em vão;
a dor das bocas murchas pela desventura;
a dor dos corações que rebentaram
nas explosões de um desespero irremediável.
Diviniza a tua imperfeição
na perfeição de uma existência amável.
E sê bendito se errares
e pecares
pelo coração.