sábado, 27 de agosto de 2011
As Minhas Ideias
famintas de justiça e de bondade,
estão dentro de minha covardia humana
como leões brancos, impetuosos e raivosos,
dentro de uma sólida jaula negra.
Se as minhas Ideias pudessem rebentar,
num ímpeto magnífico, a cadeia escura
que as segura,
eu reabilitaria D. Quixote,
espostejando Sancho Pança
que prendeu a esperança
na asa sonora de um moinho...
As minhas Ideias crispadas de angústia
e iluminadas de sonho
são como as águias altaneiras
que estivessem prisioneiras
e revissem panoramas infinitos
través as grades da gaiola enorme.
Se as minhas Ideias pudessem espatifar
os varais dessa prisão,
voariam sobre a Vida
o voo mais alto que jamais se viu!
As minhas idéias são poderosas e musculolsas
como Hércules.
Se as minhas Ideias se desamarrassem
do poste da minha covardia,
libertariam novamente Prometeu,
desceriam Jesus da cruz
e fariam
de Júpter Tonante um bagaço irrisório!
As minhas Ideias são legionárias
visionárias
que se equipam na panóplia
do meu espírito.
Se elas marchassem sobre o Mundo,
ia das cidadelas
com que Maquiavel e Sancho Pança
cintaram a Vida!
As minhas Ideias estão cativas,
porém não dormem:
são como estilhas vivas
que coroassem, dentro em mim,
a esperança do Futuro Libertado!
(O Futuro Libertado!
O Homem cantando a canção
da Germinação!
A migração da raça serva das Cidades
para a Nova-Aliança
com a Natureza,
fonte fecunda e mansa
de Bondade, de Força e de Beleza!)
As minhas Ideias rebentarão,
explodirão das camadas obscuras
da minha covardia,
como o geyser rebenta das entranhas escuras
da Terra!
Então, a Vida resplandecerá,
como um jardim de maravilhas,
sob o repuxo luminoso
das minhas Ideias.
As minhas Ideias não dormem.
Elas são grandes
como árvores que nascessem
na seiva do meu coração,
e florescessem,
e frutificassem,
e se multiplicassem
no meu pensamento...
As árvores das minhas Ideias
abrigariam na sua sombra piedosa
todos os transviados no deserto imenso.
Os lenhos das minhas árvores alimentariam
a lareira
de todos os que têm frio.
Os frutos das minhas árvores seriam
canções vermelhas
na boca dos que têm fome.
A Terra ainda será fértil
como meu coração.
A Vida ainda há de frutificar
como o meu pensamento:
A Terra e a Vida se hão de unir
pelo lenho inflamável
das minhas Ideias!
As minhas Idéias são mansas como ovelhas.
O meu espírito é um pastor:
pastoreia o rebanho das minhas Ideias!
E se os lobos devorassem as ovelhas?
Mas o pastor é vigilante e ousado.
As minhas Ideias são melodias silenciosas.
O meu espírito é irriquieto e sonoro
como o Oceano:
as minhas Ideias são as ondas impetuosas,
líricas, harmoniosas,
desse Oceano.
As minhas Ideias musicariam a Vida:
e a Vida, sobre elas,
drapeja como as velas
de uma nau que as minhas Ideias
quisessem arremessar
do mar
às estrelas!
As minhas Ideias são como as montanhas.
Sobem como as montanhas:
porém, a alma lhes volta, nas torrentes,
para a Vida!
A Recompensa
se pudesse dizer ao viajor do deserto:
-Toma do meu pão.
Bebe da minha água.
Descansa no meu leito!
E depois de ouvir dele,
quando se fosse, na viajem imensa:
-Pelas tuas três dádivas benditas
guarda contigo o meu coração
de amigo.
Ó tu que moras à beira do deserto:
transforma nesse lar acolhedor
o teu espírito
indiferente à sorte dos que passam
na viagem triste e enorme!
terça-feira, 3 de novembro de 2009
A Ironia
ela desce, branca e lenta,
os caminhos do meu espírito,
e vem desfolhar,
com dedos longos e felinos,
as rosas sangrentas do meu jardim.
Depois... ah, depois,
ela volta, lenta e cruel,
pisando as rosas brancas
do meu coração...
O Homem Sobrenatural...
no seu cajado de ouro,
derramando as suas barbas cor de neve
nos ventos...
E a sua mão, da cor do leite das estrelas,
abrir-se-á sobre o mundo, e derramará sobre nós
uma chuva de estrelas cintilantes...
E os seus olhos,
perscrutadores como os de uma águia batalhadora
e mansos como os de uma ovelha lírica,
hão de fitar-nos tão tristes e impiedosos
que os nossos olhos
chorarão as primeiras lágrimas sinceras...
E a sua voz será tão profunda,
tão melodiosa e universal,
que, quando ele soltar ao vento a sua voz augusta,
a ironia pousará o seu joelho magro no chão
e as nossas bocas cantarão...
Ao Violão
na simpleza das tuas melodias,
o largo anseio das melancolias
da mais triste das raças que há na terra!
Que dúlcidas tristezas não encerra
tua alma! Moram nelas noites frias,
luares, saudades, queixas e agonias
pores de sol e solidão da serra...
És grande como a dor que simbolizas,
és simples como a dor que sintetizas
e vives, em tuas cordas, a sonhar,
ó instrumento solitário e chão,
Que expandes, pelas noites de luar,
a alma rude e sonora do sertão!
Bucólica
que o oiro do sol morrente
banha,
recolhem-se os rebanhos, lentamente,
em mugidos
e balidos
que reboam na tarde, longamente.
A montanha é um mistério que adormece:
dir-se-ia mas lhe cresce,
em vulto, a massa que o infinito investe...
Anda no ar um perfume suave, agreste,
todo espiritualidade,
que arrasta a alma da gente,
inevitavelmente,
aos silêncios da cisma e da saudade...
E as sombras, lento e lento, vão descendo,
e tecendo
nuanças singulares, vaporosas,
que defumam na mesma indecisão,
na mesma religiosa prostração,
as imensas montanhas silenciosas,
os humildes casais,
as árvores solenes, colossais.
E no vale fecundo, que enoitara
em faina, em luta,
nada ficou, nada se escuta,
do bendito rumor que o agitara:
como uma bênção, cobre-o o firmamento,
onde de estrelas fulge a trama loira,
- seara de luz... lavoira
de deslumbramento:
A essa hora, na simpleza dos seus lares,
lavradores, campeiros,
mais à luz do luar que à dos candeeiros,
contam histórias singulares,
em que há fantasmas e estafermos,
ou cantam, com doçura e ingenuidade,
cantigas que são filhas da saudade
e irmãs daqueles ermos...
E à roda dos casais enluarados,
- mansos, tranquilos, resignados,
os bois, os grandes bois pelejadores,
são gigantes que a noite transfigura,
e em cujos olhos cismadores
brilha a humildez do heroísmo e da ternura!
Mas, na noite profunda,
que o luar enlividece, o luar inunda,
há um rumor esquisito e solitário,
de alguém que não descansa e está sozinho:
um moinho...
E a noite cresce... E o vale dorme,
repousado, e fecundo, e verde, e enorme,
Como uma bênção, cobre-o o firmamento,
onde de estrelas fulge a trama loira,
- seara de luz... lavoira
de deslumbramento!
Às Palmeiras
no seu orgulho vegetal de eleitas,
soberanas, altíssimas, perfeitas,
nas solidões monótonas, vazias.
Como as almas heróicas, arredias,
nunca da vida à lutulência atreitas,
numa ascensão sem curvas, vão direitas
pompear bem no alto as verdes energias...
Cegonhas vegetais, têm, ao poente,
qualquer cousa de extático e dolente
no lago de ventura em que dormitam...
Lembram, na paz dos côncavos tristonhos,
as almas que fizeram de seus sonhos
a torre solitária em que meditam!
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Delírio
sinto que vens... parece-me entrever-te
o côncavo perfil, mau e solerte,
feio como o das bruxas visionárias.
Vens do Inferno ou do Caos: tremo de ver-te.
Teus olhos, onde morrem luminárias,
lembram-me duas covas solitárias
cuja sombra escondesse um charco inerte...
Teu manto real... são súplicas, gemidos,
farrapos de indigentes e vencidos
e lamentos de mães, choros de irmãs...
E vais, como os duendes monstruosos...
e onde andaram teus passos vagarosos
fica o silêncio atroz das cousas vãs...
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
Prefácio de Deslumbramento de Um Triste
É tão profunda a dor que te atormenta
e é tão grande e é tão nobre o teu ideal,
que sofres, não só o teu, mas todo mal
que os humanos destinos acorrenta,
e o vero amor e a pura piedade
resumes no teu sonho de bondade.
Se ao peito te arrancassem o coração
e após o suspendessem sobre o mundo,
heróico, inesgotável e fecundo,
ficaria jorrando na amplidão,
ficaria sangrando na amplidão,
- toda luz sempiterna,
- todo o sangue imortal,
do teu eterno ideal,
da tua dor eterna!
À Arte
Ó Beleza pungente, ó Arte, sou
o mísero, o vencido que passando
viu teu templo na altura cintilando
e deslumbrado e fascinado o entrou.
O incenso de teus ritos me embriagou,
e as tuas harmonias escutando
senti que a antiga dor se i a mudando
numa dor que o meu coração nunca provou.
Cegou-me a tua luz. O teu encanto
deixou-me na alma um lânguido quebranto,
inútil febre, mudo sofrimento.
Arte augusta: adorando-te eu te abjuro,
pelo ideal impossível que procuro
e a angústia vã do meu deslumbramento...