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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Bucólica

Descendo dos pendores da montanha,
que o oiro do sol morrente
banha,
recolhem-se os rebanhos, lentamente,
em mugidos
e balidos
que reboam na tarde, longamente.

A montanha é um mistério que adormece:
dir-se-ia mas lhe cresce,
em vulto, a massa que o infinito investe...
Anda no ar um perfume suave, agreste,
todo espiritualidade,
que arrasta a alma da gente,
inevitavelmente,
aos silêncios da cisma e da saudade...

E as sombras, lento e lento, vão descendo,
e tecendo
nuanças singulares, vaporosas,
que defumam na mesma indecisão,
na mesma religiosa prostração,
as imensas montanhas silenciosas,
os humildes casais,
as árvores solenes, colossais.

E no vale fecundo, que enoitara
em faina, em luta,
nada ficou, nada se escuta,
do bendito rumor que o agitara:
como uma bênção, cobre-o o firmamento,
onde de estrelas fulge a trama loira,
- seara de luz... lavoira
de deslumbramento:

A essa hora, na simpleza dos seus lares,
lavradores, campeiros,
mais à luz do luar que à dos candeeiros,
contam histórias singulares,
em que há fantasmas e estafermos,
ou cantam, com doçura e ingenuidade,
cantigas que são filhas da saudade
e irmãs daqueles ermos...

E à roda dos casais enluarados,
- mansos, tranquilos, resignados,
os bois, os grandes bois pelejadores,
são gigantes que a noite transfigura,
e em cujos olhos cismadores
brilha a humildez do heroísmo e da ternura!

Mas, na noite profunda,
que o luar enlividece, o luar inunda,
há um rumor esquisito e solitário,
de alguém que não descansa e está sozinho:
um moinho...

E a noite cresce... E o vale dorme,
repousado, e fecundo, e verde, e enorme,
Como uma bênção, cobre-o o firmamento,
onde de estrelas fulge a trama loira,
- seara de luz... lavoira
de deslumbramento!

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