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sexta-feira, 9 de março de 2007

Ante as Igrejas Iluminadas

A Carlos Drummond de Andrade

As Igrejas estão iluminadas
e resplandecem monumentalmente na noite devota.
São como arcas deslumbrantes no dilúvio da noite.
Todos aqueles que temeram o naufrágio,
se abrigaram no convés solene das Igrejas.

As Igrejas iluminadas
riscam de fogo o carvão da noite devota.
A noite é como um oceano que marulhasse silencioso.

Os homens que estão lá dentro pensam em Deus.
Os sacerdotes, paramentados em linho e ouro,
elevam no Cálice de muitos raios o Espírito Supremo.

Os sinos esmigalham
todo o cristal de sua velha alma musical.
Os espíritos prosternados sobem na voz dos órgãos,
no soluço comprido dos violinos,
para Deus, que é todo ouro no Cálice suspenso.
As próprias Igrejas sobem, pesadas e contritas,
na água da noite... como barcas iluminadas.

Ajoelho-me e rezo a minha oração de inquieto.

Ó Igrejas: vim pedir-vos o pão
e a água que procuro, sem que os homens,meus irmãos,
soubessem jamais dessa minha fome e dessa minha sede.
Não encontrei ainda esse pão misericordioso
e essa água redentora. Dai-mos a mim,
Igrejas que prometeis renúncias e paraísos!

Ponho no vosso seio marulhoso e solene,
como um joguete emocional, minha alma incontentada.
Modificai-a, esmagai-a, convertei-a!
Mas que ela fique, no vosso chão, poeira conformada!
Sim: esmagai minha alma para a vossa glória,
esmagai-a de vez, para que não se reerga nunca!

Fazei-a vossa e projetai-a como uma migalha inútil
entre as migalhas que vos erigiram.
Ó Igrejas: eu procuro o que não sei - a paz, a guerra,
talvez a certeza amarga que a Verdade exista.
Ponde o vosso dedo imperativo
sobre a boca cruel da minha inquietação.
Absorvei-me!

Acendei sobre o meu espírito a alvorada
de vossas verdades: mas que sejam tão claras
como o lácteo esplendor de vossos lampadários.
Crivai sobre o meu coração os espinhos de vossos dogmas,
mas que doam e façam sangrar como os espinhos da coroa de Jesus

Vede que não tenho bordão,
nem trago os cabelos em desalinho,
ou os pés mortificados pelas caminhadas.
Porém, sou tão pobre, e só, e andrajoso,
como aquele vosso Jó das supremas provações.

Sou o mendigo que se apoia
nas amuletas da Ironia...

Ó Igrejas:

esmagai-me!

Um comentário:

Anônimo disse...

beautiful!