Ó tardes tropicais,
crepúsculos que sois dalmáticas de sombras,
crepúsculos que sois cinzas espirituais
numa áurea dispersão sobre serras e alfombras!
As cousas dentro em vós têm espírito e alma
com sonhos a gemer na impotência da fala...
A paisagem, que está numa aparente calma,
toda uma ânsia de voz e de expressão exala...
porque uma força aziaga oprime-lhe a garganta!
que alimenta talvez o malogrado ideal
da alma esquisita e informe
As suas mãos de luz, as suas mãos embalam
a terra, no mistério interior em que dorme...
* * * * * * * * *
- urnas em que o sol vaza o seu hino de chama
e responsos de luz o almo luar derrama
para a oculta eclosão de ideais imperscrutáveis!
na ignota religião das cousas silenciosas!
há dentro em vós um luar de misticismo... Arde,
num êxtase, nossa alma ante as aras da Tarde
- que é o templo onde comunga a tristeza das cousas
como quem nela vê a suprema beleza,
olhando-a da emoção de um êxtase sem fim,
acode-me o desejo absurdo e extraordinário
de ser o orbe, o infinito, o céu – a Natureza,
para poder sentir a Tarde dentro em mim...
almas que o aguilhão do Amor fez desgraçadas,
o crepúsculo mana o vinho espiritual
de que necessitais, ó almas torturadas!
Envelhecendo a luz (que é bela mas acende
a vossa dor, o vosso anseio), há de quedar,
envelhecida quase, a mágoa que vos prende
ante o beijo de paz que a Tarde lhe vier dar...
no abandono de cisma em que anda a Natureza,
meu pensamento é uma ave
que voou para os céus longínquos da Beleza,
e eu sendo tão pequeno, e vazio, e imperfeito,
transbordo-me da luz de uma febre magnífica
e me exalto na posse extática e beatífica
de uma alma emocional e rútila de eleito!
unges de um quê de sonho árvores e caminhos...
E o mundo... o mundo é como uma ferida imensa,
uma ferida viva
de ódio, egoísmo e descrença,
que tu cicatrizaste, ó Tarde compassiva!
a minha alma se alonga, é um êxtase disperso:
sinto que do meu ser cada partícula arde
e voa – ave de luz – para um outro universo...
a Noite reconduz à Dúvida a alma humana
e faz do altar da Tarde uma necrópole, eu
ponho os olhos no céu:
e à saudade imortal que me oprime e domina,
eu vejo no luar, que trêmulo se eleva,
uma hóstia da Tarde, uma palma divina
suspensa sobre a treva...
espalhando o consolo e perpetuando o Sonho...
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